segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O coração



"O coração tem mais quartos do que uma casa de putas" António Lobo Antunes

O coração é enorme. Vive cá dentro o Skipper, esse cão que era uma pessoa, que já existia lá em casa quando nasci, que me guardava o berço, que tantas vezes deitou a cabeça no meu colo e chorou comigo. Vive cá dentro a avó Lucinda, avó da minha mãe, mãe da minha avó, que me enchia as almofadas de espuma para eu nao me sentar no chão, que me cantava canções que se vão perdendo com o tempo (Oh Malhão Malhão, que vida é a tua?), que brincava comigo às casinhas. Vive cá dentro o avô, que era mais meu pai do que meu avô, que me levava ao café e a andar de baloiço depois da escola, que me ajudava nos trabalhos de casa, que brincava comigo, que me levava ao colo e às cavalitas. Vive cá dentro o pai, que me ligava todos os dias à hora de jantar e falava naquele tom de voz que era só meu, que me vinha buscar aos Domingos, sempre cheio de serenidade e paciência na sua expressão enigmática. E vivem cá dentro todos aqueles que ainda posso visitar sem procurar no coração.

sábado, 16 de agosto de 2008

Uma bolsinha de camurça


Precisava de fugir. Queria esconder-me, em qualquer lugar, longe do que me é familiar, para me encontrar ou para me perder, para conseguir mudar. Não sei se me encontrei ou se me perdi, não sei sequer se consegui mudar o que quer que fosse, sei apenas que encontrei tudo o que procurava, para além de mim mesma. No lugar mais improvável, onde nunca pensei procurar, encontrei paz, encontrei tudo aquilo de que preciso para me sentir bem. Mas não pude ficar. Tudo o que vi e senti tive de guardar numa bolsinha de camurça, igual a uma que tinha quando era pequenina, que a minha mãe me deu e que eu levava para todo o lado, cheia de felicidade, a bolsinha, claro. Agora levo para todo o lado uma bolsinha de camurça imaginária, igual a uma que tive há muito tempo, para a abrir de vez em quando e saber que há um lugar para mim, onde sou eu, onde me sinto bem.