quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Memórias de infância


Sou pequenina (dizem que nunca fui pequenina, que sempre fui grande para a idade, mas sou pequenina) e tenho de esticar o bracinho para agarrar o dedo do meu avô e de mexer depressa as minhas perninhas curtas (curtas ao pé das dele, porque dizem que sempre as tive compridas) para acompanhar os seus passos largos. Com a sua paciência interminável de avô, leva-me, como faz todos os dias, ao parque infantil para me empurrar o baloiço durante tanto tempo quanto a minha inconsciênca de criança quiser. Inconsciência porque não percebo que lhe doem os joelhos e as costas por estar em pé e o braço por me empurrar. Sou criança e sou egoísta e digo-lhe "Mais, avô! Mais!", e apesar das dores ele continua, porque ao fim do dia vou sentar-me no seu colo, pôr-lhe os braços à volta do pescoço e dizer "Adoro-te avô." e porque no dia seguinte vou fazer na escola um desenho para lhe dar, que ele vai guardar na gaveta onde guarda todas as coisas que lhe dou, desprovidas de qualquer valor material. Mas mesmo que não fizesse nada disso, ele continuaria a empurrar o baloiço, em pé, ao sol, suportaria as dores e o calor porque o seu coração se enchia de alegria a cada gargalhada minha.

A saudade significa que um dia estivemos perto, e a felicidade também se encontra em memórias, que podemos reviver vezes sem conta, recordando ou inventando um novo detalhe de cada vez que um desses momentos perdidos algures no tempo nos vêm à memória e nos preenchem o coração.

domingo, 16 de setembro de 2007



Estou no limbo, à espera de uma luz, de um sinal que me guie, porque não consigo ver. Não me consigo mexer, não sei onde estou, tenho frio e quero ir para casa. Foi quando fugi a correr sem olhar para trás que me perdi assim, de ti, do mundo, de mim. E agora que não sei onde estou grito por ti, mas tu já não me consegues ouvir. Não me consegues ouvir, não porque não me queiras ouvir, mas porque não podes, porque a única pessoa que consegue ouvir os meus gritos sou eu, apenas eu sinto a pele a rasgar, as gotas de sangue a percorrer o meu corpo, a dor interminável de não saber quem sou.

Sentada no chão, com frio e sem ver um palmo à frente do nariz, tenho de ganhar equilíbrio próprio para me levantar e força própria para caminhar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Manhãs



Manhãs cheias de sol, em que os raios de luz entram pela janela e banham o corpo descansado da noite de esperança.

Manhãs em que ao despertar se revive um sonho delicioso que depois se escapa da memória, mas deixa a doce felicidade da ilusão.

Manhãs em que, assim que se liga o rádio, passa aquela música que nos deixa a cantar o dia todo.

Manhãs de sumo de laranja e torradas.

Manhãs de grandes planos e expectativas, de sonhos e ansiedade, de saudade e coração preenchido ao mesmo tempo.

Momentos de felicidade que nos proporcionam as pequenas coisas da vida ...

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O nosso mundo



Sim, sonhamos demasiado alto. Vemos e acreditamos em coisas que apenas existem no nosso mundo. Estamos vivos para sonhar, como podemos evitá-lo? E será que devíamos evitar sonhar? Sei que por fantasiar tudo acabo magoada com a realidade, mas não me arrependo de sonhar, faz parte de mim, é quem eu sou.

" Just when she closed her eyes, she saw the world and she fantasised, it was part of her and it was beautiful. "

Tu arrependes-te?

Há algo mais bonito do que o nosso próprio mundo, algo mais real, algo mais nosso? Tudo se desvanece, tudo pode ser-nos tirado, excepto os nossos sonhos, as nossas fantasias, aquele lugar que existe apenas no nosso íntimo e que mais ninguém conhece.

Se pudesse, beijava-te no coração, dava-te um pouco do meu mundo e voávamos os dois...

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Ilusão


Se te sonhar, não és real. Mas como posso parar de te sonhar, se te sonho desde que me lembro? Ou será que ainda não te conheci, e o sonhado está ainda por entrar pela janela, sem eu me aperceber, enquanto olho para a porta, à espera que se volte a abrir? Mas como vou saber, se é sempre um sonho?

Tenho a sensação de que, até hoje, nada foi real, foi sempre, sempre e apenas um sonho. Há dias em que acordo num lugar diferente, em que o coração mudou de morada. É nesses dias que se destroem os sonhos, que abro os olhos e vejo tudo tal como é, pequenas amostras de realidade que corrompem tudo o que até então era verdade. E não consigo voltar atrás. Os momentos de doce ilusão caem-me das mãos e desfazem-se em pedaços no chão, como um copo de cristal da loiça que está na familia há anos, irreparável e insubstituível. É então que fujo e entro de novo no limbo, onde fico sentada a olhar para a porta, talvez agora com um olho na porta e outro na janela, não vá o príncipe encantado entrar por lá...

(Fotografia em Vila Nova de Milfontes, de novo, por mim)