segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Saudade

Não costumo olhar pela janela do meu quarto, mas quando olho lá está a tua casa. Tão perto e, no entanto, tão longe. Olho pela janela, penso em ti e não consigo evitar a onda de nostalgia que me invade. Como é que estas coisas acontecem? Como é que alguém deixa de fazer parte das nossas vidas?
De certeza que ainda te lembras, como eu, das tardes em que passávamos horas a conversar, em que falávamos de tudo, das coisas mais íntimas às coisas mais idiotas. Sempre foi assim contigo, sempre soube que podia dizer-te fosse o que fosse. Agora já não sei nada. Quanto mais penso nisso, menos consigo compreender como saímos daí e chegámos aqui. Parece algo que se passou noutra vida, há muito, muito tempo... Apetece-me ir até aí e esperar que apareças, sentada à tua porta, só para te perguntar como estás, mas não tenho coragem.
Sempre que fores ao teu quintal olha para a minha janela e pensa que um dia, quando tiver coragem, vou esperar por ti à porta de tua casa para ficarmos os dois a conversar como fazíamos antes.

domingo, 19 de outubro de 2008

Inspiração em Bryan Adams


Vem-me buscar. Leva-me contigo para outro lugar, qualquer lugar que não seja aqui, qualquer lugar onde sejamos só os dois. Não precisas de dizer nada, leva-me contigo apenas. Sentir-te perto de mim é suficiente, ao pé de ti estou em casa, aqui não.

Sabes aqueles sonhos em que o chão nos falha e começamos a cair, mas acordamos logo a seguir? Sinto-me assim, a cair num sonho, a cair sem saber porque não tenho chão debaixo dos pés, a cair sem ter onde me segurar para além de ti, e só páro de cair quando chegas e me olhas e me beijas e me abraças e me amas, quando chegas e me levas para longe, para onde só tu e eu sabemos ir. Só estou acordada quando estás aqui, é a única altura em que vale a pena estar.

"(...) Please forgive me, I know not what I do
Please forgive me, I can't stop loving you (...)"

domingo, 5 de outubro de 2008

Visão


Caminho ao sabor do vento, procurando um lugar familiar. Já esqueci há quanto tempo saltei do comboio, deixando metade da bagagem para trás. Agora caminho no deserto, iludida por miragens... Vejo-te, sinto-te perto, mas são apenas momentos fugazes, tão fugazes que, na loucura da sede e da solidão, não sei se são reais. À noite, no escuro, chamo por ti, mas tu não me ouves, não vens.

Serei invisível? Não consigo fazer-me ver. Tu não me vês, não com olhos de ver, não como eu queria, não como eu te vejo. Quando te vejo não vejo mais nada, não há mais nada, nem mais nada interessa. Vejo-te a ti, só a ti, mas não consigo ver além das tuas barreiras. Por mais que te tente ver, por mais que abra o coração, para me veres, para te deixar entrar, não consigo trepar esse muro. Conforme vou desistindo de tentar, começo a ficar cega e a única coisa que consigo ver quando te vejo é a tua silhueta a fundir-se com a linha do horizonte.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O coração



"O coração tem mais quartos do que uma casa de putas" António Lobo Antunes

O coração é enorme. Vive cá dentro o Skipper, esse cão que era uma pessoa, que já existia lá em casa quando nasci, que me guardava o berço, que tantas vezes deitou a cabeça no meu colo e chorou comigo. Vive cá dentro a avó Lucinda, avó da minha mãe, mãe da minha avó, que me enchia as almofadas de espuma para eu nao me sentar no chão, que me cantava canções que se vão perdendo com o tempo (Oh Malhão Malhão, que vida é a tua?), que brincava comigo às casinhas. Vive cá dentro o avô, que era mais meu pai do que meu avô, que me levava ao café e a andar de baloiço depois da escola, que me ajudava nos trabalhos de casa, que brincava comigo, que me levava ao colo e às cavalitas. Vive cá dentro o pai, que me ligava todos os dias à hora de jantar e falava naquele tom de voz que era só meu, que me vinha buscar aos Domingos, sempre cheio de serenidade e paciência na sua expressão enigmática. E vivem cá dentro todos aqueles que ainda posso visitar sem procurar no coração.

sábado, 16 de agosto de 2008

Uma bolsinha de camurça


Precisava de fugir. Queria esconder-me, em qualquer lugar, longe do que me é familiar, para me encontrar ou para me perder, para conseguir mudar. Não sei se me encontrei ou se me perdi, não sei sequer se consegui mudar o que quer que fosse, sei apenas que encontrei tudo o que procurava, para além de mim mesma. No lugar mais improvável, onde nunca pensei procurar, encontrei paz, encontrei tudo aquilo de que preciso para me sentir bem. Mas não pude ficar. Tudo o que vi e senti tive de guardar numa bolsinha de camurça, igual a uma que tinha quando era pequenina, que a minha mãe me deu e que eu levava para todo o lado, cheia de felicidade, a bolsinha, claro. Agora levo para todo o lado uma bolsinha de camurça imaginária, igual a uma que tive há muito tempo, para a abrir de vez em quando e saber que há um lugar para mim, onde sou eu, onde me sinto bem.